O controlo das infestantes na linha já se faz sem glifosato

25 março 2022

São já várias as experiências em curso na Região dos Vinhos Verdes procurando diminuir o uso dos herbicidas. A Quinta das Arcas quer aboli-los completamente em dois anos, a Aveleda tem a mesma ambição, mas sem meta. 


O herbicida mais usado no mundo, o glifosato, está envolto em controvérsia e os produtores estão cada vez mais conscientes da necessidade de reduzir drasticamente o uso destes produtos, para uma agricultura mais amiga do ambiente. Na Região dos Vinhos Verdes há já várias experiências e ensaios procurando a melhor solução para cada caso. Enquanto a Quinta das Arcas, por exemplo, quer abolir o uso de herbicidas em dois anos, a Aveleda tem a mesma ambição, sem meta temporal definida.

Os viticultores luxemburgueses foram os primeiros, na União Europeia, a renunciar voluntariamente ao uso de glifosato a 1 de janeiro de 2021. Em Portugal, o Parlamento aprovou, na votação na especialidade do Orçamento do Estado para 2021, uma proposta do PAN que proíbe a comercialização de herbicidas com glifosato, apenas para usos não profissionais.

No resto da UE, o uso de produtos fitofarmacêuticos à base de glifosato está autorizado até 15 de Dezembro de 2022, sendo que o processo de renovação da autorização foi lançado no final de 2019. A Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar e a Agência Europeia das Substâncias Químicas concluíram já as consultas públicas sobre esta matéria. A indústria defende que os dados científicos recolhidos e avaliados pelas autoridades europeias de segurança mostram que o herbicida é seguro, enquanto os activistas da saúde e do ambiente criticam o processo de avaliação, questionando a credibilidade dos estudos fornecidos pela indústria.

O controlo de infestantes na viticultura é determinante para evitar que espécies invasoras compitam com as videiras por água e nutrientes do solo. Com as alterações climáticas e o crescente stress hídrico, é ainda mais urgente evitar a situação, que pode levar a um menor crescimento das videiras jovens e à redução da quantidade e da qualidade da uva produzida, podendo ainda ser um veículo para a transmissão de alguns tipos de pragas de insectos, que atacam a vinha e propiciam doenças.

Na Aveleda, o maior produtor de Vinho Verde, a "conscencialização acerca do impacto ambiental exercido pela actividade vitícola e sobre a inevitável mudança de comportamento na preservação do ecossistema da vinha" está na origem de um ensaio que, entre outras matérias, estuda a possível erradicação do uso de herbicidas, sejam eles sistémicos ou de contacto.

Maria José Moutinho, técnica de viticultura da Aveleda, explica que a empresa utiliza como prática corrente a sementeira ou preservação da flora existente nas entrelinhas em 100% do vinhedo, sendo o controlo químico unicamente utilizado ao longo das linhas, zona sujeita a competição hídrica e nutritiva directas entre infestantes e  videira.

"Para além da preocupação com a minimização do impacto das práticas vitícolas no meio ambiente, a Aveleda tem em implementação, desde 2015, um plano de aumento relevante de área de vinha, o que obriga a uma gestão racional e eficiente dos vários recursos e equipamentos", diz esta responsável, explicando que, "a inserção da prática de enrelvamento na linha no cronograma anual poderá simplificar a execução das operações vitícolas de várias maneiras".

Dos cerca de 400 hectares de vinha que a empresa tem na Região, foram já quatro campanhas em que foram seleccionadas quatro parcelas com vinhas adultas do total de 20 hectares, em Penafiel, para testar a abolição dos herbicidas, com recurso a enrelvamento na linha. Em vinhas novas a concorrência provocada pelos cobertos vegetais junto às videiras é forte, pelo que, o sentido dos ensais para a redução, e até para a não utilização de herbicidas, tem sido o da mecanização e robotização da tarefa.

"Em vinhas adultas é intenção alargar o enrelvamento direccionado na linha estando-se, por isso, nesta fase a analisar formas de automatizar de forma eficiente as operações de sementeira e cortes de controlo do coberto", explica Maria José Moutinho. "Existem espécies com porte baixo, como por exemplo a festuca rubra, que permite um bom revestimento em zonas da vinha onde se pretende baixar o vigor da videira, ou o trevo huia e o trevo palestina, espécies leguminosas que permitem incrementar o vigor em solos mais empobrecidos. Estas espécies não têm grande desenvolvimento em termos de altura, contudo exigem cortes de manutenção, ou seja, cortes no momento certo para que o afilhamento ocorra e se potencie a implantação do enrelvamento, o que só ocorre no segundo ou terceiro ano". O trabalho mecânico do solo com recurso a intercepas, e os trabalhos de I&D em parceria com o INESCTEC são soluções que estão também a ser trabalhadas para substituir a aplicação de herbicida por métodos estritamente mecânicos.

Esta responsável reconhece que o recurso ao enrelvamento na linha é "um benefício enorme", já que evita o uso de herbicidas e ajuda ao nível da fertilização, dado que as sementeiras com recurso a espécies leguminosas incrementam o vigor das zonas mais pobres. O problema, de momento, será tornar a instalação inicial da sementeira mais eficiente e mecanizada, uma vez que actualmente tem de ser feita de modo manual, com os consequentes custos de mão de obra. Para além do custo de instalação é necessário considera, também, as operações de corte: "Precisamos de cortar o enrelvamento pelo menos três vezes por ano. E se for um ano húmido podem até serem necessários quatro cortes", destaca.

Para Daniel Lopes, responsável pelo departamento comercial da Jopauto, empresa especializada na comercialização de máquinas e equipamentos agrícolas, controlar não deve ser sinónimo de eliminar. "As infestantes têm um papel importante na melhoria da fertilidade e estrutura dos solos e na manutenção da biodiversidade. É uma questão de equilíbrio. Devemos ter mecanismos de controlo, que permitam que a videira cresça saudável e se mantenha com vigor para garantir produções optimizadas em quantidade e qualidade", defende.

O grande problema está na linha, onde o controlo mecânico é mais difícil e mais lento. E os equipamentos que o permitem fazer são mais caros. Razão porque, "grande parte dos viticultores em Portugal ainda usa glifosato na linha", já que os custos por hectare são inferiores. No entanto, há uma tendência crescente do preço dos produtos que, a par do aumento da resistência das infestantes aos mesmos, está a levar a uma mudança das mentalidades.

Pela sua experiência, Daniel Lopes acredita que há diversas motivações na procura por alternativas mecânicas ao glifosato. "Na minha opinião, há alguns viticultores que estão efectivamente focados na sustentabilidade e na mitigação dos danos que o glifosato provoca nos solos, no equilíbrio da biodiversidade, e principalmente na contaminação dos lençóis freáticos e, consequentemente, dos cursos de água. Há outros, porém, que iniciaram a busca por alternativas porque o preço do glifosato tem aumentado substancialmente e, principalmente, porque a sua eficácia é cada vez menor. Muitas das infestantes ganharam resistência e continuam a crescer apesar da sua aplicação intensiva. Os ciclos de alternância entre dias de chuva e sol na Primavera também contribuem para o crescimento de infestantes, apesar da aplicação de químicos antes do início do ciclo, normalmente em Fevereiro/Março", argumenta.

O certo é que a procura por alternativas tem crescido e levado a Jopauto a investir no alargamento do seu portefólio, de modo a dar resposta às necessidades do mercado. E como actua em várias regiões vitivinícolas, com estruturas de solos diversas e formas de plantação díspares, a empresa optou por apostar em marcas que permitam fazer adaptações modulares, de modo a que o viticultor possa ajustar o equipamento à medida das condições da sua vinha.

A Quinta das Arcas é um dos produtores que tem vindo a investir nestes equipamentos para os seus 200 hectares. Toda a vinha está em modo de produção integrada e há seis hectares em modo biológico. Nestes, os infestantes são controlados manualmente com o recurso a uma máquina motoroçadora. O objectivo da empresa está traçado: nos próximos dois anos a Quinta das Arcas quer acabar com o uso de herbicidas na linha e está a experimentar várias soluções, como o recurso a intercepas com e sem mobilização de solos, e à pulverização com ácido acético, vulgo vinagre, um produto homologado para agricultura biológica.

E se hoje ainda se privilegia o máximo de produção, há a consciência que, ao longo do tempo, será necessário evoluir para sistemas biológicos, em que a vinha faz a sua autoregulação.

"O nosso objectivo hoje é meramente mercantilista. Todos nós pensamos assim. É claro que não podemos abdicar da componente da rentabilidade por hectare, mas precisamos de ter toda uma autodisciplina biológica, desde os revestimentos, o controlo com prados permanentes e a gestão da água, em que a própria vinha fará o seu complemento. Obviamente, não vamos deixar as vinhas a monte, mas tudo isto tem ainda custos muito elevados de manutenção", sublinha. E dá exemplos: o uso de herbicidas fica na casa dos 70 a 80 euros por hectare, a solução mecânica fica pelo dobro. "Isto se for um ano de precipitação média. Se for um ano chuvoso, então aí o crescimento é exponencial. A aplicação de herbicidas permite que se estejam quatro meses sem entrar na vinha; a solução mecânica obriga-me a uma manutenção de três em três semanas. Sem falar no investimento na compra dos equipamentos, que ronda os 15 a 20 mil euros, mas que a Quinta das Arcas encara como custos inerentes à viticultura.

A empresa iniciou o programa de conservação e alteração do controlo da vegetação espontânea há cerca de dois anos e tem vindo a experimentar várias máquinas e alternativas de fabricantes distintos. "Como temos dois tipos de solos -  fomos pioneiros a trabalhar a vinha no xisto, há mais de 40 anos que o fazemos, porque acreditamos que o xisto nos dará vinhos muito mais equilibrados - vamos ter que usar equipamentos distintos. Em zonas com menos vegetação espontânea vamos ter que usar um intercepas já de lâminas e com alguma mobilização de solos. E temos zonas de terras mais francas, muito mais férteis e aí já teremos que o fazer sem mobilização de solos", explica Fernando Machado.

De uma coisa este responsável tem a certeza, os mercados "estão cada vez mais sensíveis às questões da sustentabilidade e valorizam estas opções". 

Por Ilídia Pinto 

Artigo publicado no Boas Vinhas_edição nº 16_Fevereiro 2022

a pesquisar